terça-feira, 2 de setembro de 2014

Voz jovem da nação: puramente dérbi

União e Rio Branco duelam amanhã, às 20h, em Americana

Das vitórias que encaminharam o título da Série C de 2004 ao eterno 6 a 0 em pleno Antônio Guimarães. Unionistas e Riobranquenses levam consigo a certeza de que o dérbi é um campeonato a parte. É impossível não se emocionar em um dérbi seja como for. Discorrer do clássico regional é uma honra aos antigos e aos novos.

Antes do Foco no Esporte trazer o "pacotão do dérbi", contando todos os dados históricos desse confronto, é preciso ouvir duas vozes jovens das duas nações. Os mais velhos, talvez, teriam mais inteligência em discorrer sobre tal assunto. Contudo, os mais novos, saberiam dizer sobre o dérbi? Esta é a missão. 

Leandro Ramos, radialista da Brasil AM 690, é torcedor declarado do União Barbarense, e define o dérbi como algo irracional. Gabriel Pitor, ex-redator do site do jornalista Roger Willians e historiador do Rio Branco, é, anunciadamente, riobranquense de carteirinha, e define o dérbi como um sentimento. 

Ambos, mesmo jovens, já são vozes conhecidas dentre os torcedores de seus times. Leandro, aos poucos, ganhou a nação unionista com seus artigos no site SBNotícias, e com sua voz no plantão das transmissões da Rádio Brasil. Já comparado com JJ Bellani ou José Flávio Scavassa, nomes marcantes do jornalismo esportivo barbarense, Ramos é visto como futura voz da torcida unionista.

Enquanto isso, do outro lado, Gabriel Pitor ganhou reconhecimento após ser redator do site do jornalista Roger Willians. E, ao agarrar a oportunidade, trouxe novidades históricas aos torcedores riobranquenses como a pesquisa do "O primeiro Tigre do Brasil". Visto como futura voz da torcida riobranquense, Gabriel é chamado, divertidamente, como "filho do RW". 

As duas promessas escreveram e tentaram mostrar o que é o dérbi. O resultado são dois artigos mostrando a visão unionista e riobranquense do confronto. Vale a pena ler e entrar no clima de rivalidade! 

À esquerda, Gabriel Pitor, e à direita, Roger Willians
Parceiros do antigo site "Roger Willians"
"Estádio Hermínio Ometto, Araras, 15 de maio de 2009, Série A-2, União São João 1x1 Rio Branco. Foi neste dia, com gol de Lincom para o Tigre, de pênalti, que eu conheci o alvinegro mais lindo do mundo. Mas quem era Rio Branco? Eu não conhecia um fio do interior. Mal conhecia o próprio União de Araras, oxalá conhecesse de Rio Branco, Sertãozinho, Inter de Limeira, São José, Monte Azul...


- Rio Branco? Rio Branco é de onde? -, questionava ao meu amigo Felipe. – Rio Branco? Rio Branco é de Americana. É um dos melhores times do grupo -. Calma ai, Americana, família americanense... Bingo! Não poderia dar em outra.

Ver a Malucos numerosa, gritando, cantando, subindo o bandeirão, fazendo uma verdadeira festa na cidade de Araras. Um time aguerrido, valoroso e de qualidade. Chegou como uma paixão: de forma arrebatadora, que atropela o peito e até te deixa com borboletas na barriga.

Em 2009 só acompanhei, vi de longe o acesso à primeira divisão. Olhava os resultados sempre esperando por uma vitória do Rio Branco. Como uma paquera que você fica olhando, olhando e olhando... Torcendo para ninguém conseguir nada. É meu, é para mim.

E, de fato, era para mim. O Rio Branco é para mim. Não poderia encontrar paixão maior que o meu Tigre. Quase um casamento, um compromisso.

Porém, para se tornar um legítimo riobranquense, como sou hoje, você precisa, acima de tudo, entender o dérbi. Aliás, entender não, porque qualquer um pode entender. SENTIR. Sentir o dérbi, sentir o frio na barriga. Acordar e lembrar que eu devo colocar o pé direito primeiro no chão, porque isso dá sorte. Duas meias, de preferência. Algo bem tradicional, mas com um tom de tonteira.

Mas será que é tonteira mesmo? Não. Isso é o principal sintoma de que você sente o dérbi.

Mas o que é sentir o dérbi? Não dá para explicar. Você consegue explicar como é sentir amor? Sabe explicar como é sentir ódio? Dérbi não é algo palpável ou explicável, é algo sensível, algo que precisa ser sentido. Dérbi é um sentimento. Aliás, uma confusão de sentimentos.

É você chegar ao Riobrancão e ouvir: “Que fumaça é essa ai? Tem cheiro nem sei de que. Devem ser os tais malucos que tem mais de 20 anos de amor por ti, Tigre”. É ver a casa cheia, vibrante. É ouvir o palavrão do cara ao seu lado, e repetir junto, sem se importar com classe ou educação. É olhar o semblante mesquinho do rival, e repetir mil vezes: essa não dá pra perder. Mas qual dá? Dérbi não se perde.

Perder dérbi é quase um crime. Você sente na pele. O sangue ferve, o ódio aumenta, e até Deus (para quem acredita) paga o pato. É ver que você perdeu a batalha, mas nunca a guerra, a guerra não morre. E perder a batalha é sempre doloroso. Ninguém gosta de perder.

Qual guerra? Americana x Santa Bárbara. Oh, meus caros jogadores! Eu não sou obrigado a ver meus vizinhos acima de mim, nem que se for por um dia. É um martírio o irritante barulho rival.

Ah, mas quando ganha! Ah, quando ganha! Quando ganha, é uma delícia. Não há maior prazer. A semana fica mais leve. O dia fica mais feliz. Mais alvinegro (americanense). Fica com a cara dessa nação grandiosa. Os tigres rugem e a cidade entra em festa. Dá gosto até mesmo de empinar o nariz e dizer: eu sou de Americana, sou paulista, sou Rio Branco. E daí se eles acham ruim nossa comemoração? Respeitamos no pré-jogo.

É neste momento em que “patenteamos e com honra demonstramos quanto temos de valor”. Trecho do primeiro hino do Rio Branco. É neste momento em que “tecemos a nossa glória, estampamos a nossa bandeira”. Trecho do hino do eterno Fronner. É neste momento em que provamos nossa “garra, brilho e determinação; coragem, domínio e vibração”. Como diz nosso hino oficial.

Tudo isso por causa de um dérbi? Claro. Eu chego em casa e sempre tenho a certeza: eu assisti, senti e vivi um momento histórico. 90 minutos que ficarão na história por anos, décadas, e até séculos. Isso é dérbi.

Bando de tontos? Fale na minha cara que ser tonto é gostar de dérbi, e eu viro você de ponta cabeça.

No dérbi, não tem tontice e nem idiotice. Não tem classe e nem credo. Não tem rico e nem pobre. Não tem forte e nem fraco. Não tem líder e nem lanterna. Dérbi é lei que deveria ser decretada. Dérbi deveria ser feriado. É a igualdade.

O dérbi é eterno. “Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força [o resgata] (...) eternos! Eternos, miseravelmente. O relógio no pulso é nosso confidente.”

Ah, Carlos Drummond de Andrade, como gosto de você! Você me dá, em sua antologia, até mesmo a definição de “eterno”. Ou melhor dizendo, a definição de um dérbi.

Eu quero ver um dérbi. Quero contar um dérbi. Se pudesse, queria casar em um dérbi. Meus filhos saberão do dérbi. Certamente todos eles serão riobranquenses, como eu. Vão sentir o dérbi, como eu senti. E vão querer, assim como eu: morrer em um dérbi. Por que? Eu vou morrer tentando decifrar o sentido do dérbi. Não importa. É dérbi. E nada mais. Respeitem-me, só quero morrer ouvindo a torcida riobranquense comemorando gol: EM UM DÉRBI. Porque o dérbi é eterno. O dérbi é um sentimento que, mesmo querendo, morrerei sem saber explicar, só sentir. Isso é dérbi.

Gabriel Pitor Oliveira"

Leandro Ramos no estúdio da Rádio Brasil AM 690
"Desde criança, a gente nasce com duas certezas. A primeira é que algum dia vai morrer. A segunda é que o dérbi é sempre o jogo mais importante de todo o milênio.

Não no meu caso. Quando eu nasci, provavelmente ninguém da família tinha a menor ideia do que era um União x Rio Branco. Da dimensão desse jogo. Explico.

Como boa parte das famílias de Santa Bárbara, minha família é forasteira - usando o termo que usaram quando chegamos por aqui. Nasci em Guarulhos, na Grande São Paulo, mas cheguei à terrinha em 2000, quando tinha três anos e alguns meses (a maioria deles). Mas não me lembro muito bem de lá. Meu irmão tinha dois amigos da nossa rua. Talvez fossem irmãos também. A menina se chamava Bárbara. Eu achei que a gente fosse se mudar pra casa dela.

Com todo o respeito à moça, mas mudamos para um lugar muito melhor.

A biologia pode até me contradizer, mas eu posso jurar que tenho sangue barbarense. Foi aqui que conheci a escola. Foi aqui que fiz meus primeiros amigos. Foi aqui a primeira volta de bicicleta sem rodinhas. E foi aqui que conheci a sensação de ter amor incondicional a uma camisa. A um time. A uma história. A um jogo.

O União Barbarense é qualquer coisa entre o céu e o inferno. É uma árvore que a gente rega com carinho, mesmo sabendo que sem nem avisar, uma tempestade pode arrancá-la pela raiz. É uma casa onde nem tudo sai como projetado, e isso traz surpresas boas e ruins. É um filho no qual depositamos todo o amor e com quem temos o maior cuidado, mas amanhã ou depois vai fazer suas cagadas na vida. É uma música do Chico Buarque.

O dérbi é o refrão.

Se repete, e se repete, e a gente nunca cansa. E cada vez fica melhor. E cada vez fica mais intenso. E se erramos a letra, a sensação é de perder o samba inteiro. E se chegarmos no tom, a música se estende até o sol nascer.

Talvez por sermos unidos pela história, talvez por estarmos separados por uma avenida, talvez por xingar o "tipinho" da cidade vizinha mesmo tendo metade dos amigos de lá. Talvez por nada disso. Talvez seja até sem motivo.

Não.

Motivo tem. O que não tem é explicação.

O dérbi é qualquer coisa entre o céu e o inferno. A semana que o precede é cheia de rituais. Às três horas e vinte e oito minutos da tarde da antevéspera do último dérbi eu quebrei o último copo azul de casa. O União ganhou o dérbi. Já comprei mais seis copos azuis e coloquei o celular para despertar.

Em dia de dérbi não tem unha que aguente. Não tem relógio que ande mais devagar. A marmita fica alvinegra, o ar fica cinza de rivalidade. As provocações vão aumentando gradativamente até uma hora antes do jogo. É quando nada mais faz sentido.

Gregos e troianos teriam inveja do nosso dérbi. Helena declarou que largaria Páris para se casar com quem fizesse o gol da vitória.

Talvez Hitler só quisesse ganhar um dérbi.

Ganhar um dérbi é algo irracional. O estado de espírito depois de uma vitória por um a zero com gol roubado é mais viciante que qualquer droga que exista. Se eu pudesse escolher entre perder um dérbi e comer minha comida preferida todos os dias ou ganhar um dérbi e comer salada pelo resto da vida, iria fazer uma horta no quintal para não gastar muito dinheiro.

Perder um dérbi é algo irracional. A manhã seguinte sempre é cinza, a refeição sempre é insossa, o estádio tem a cara de pau de ficar lá, como fosse um monumento in memoriam. Perder o dérbi é pior do que terminar o namoro. Sempre tem outras mulheres no mundo. Outro dérbi, não. O dérbi é sempre o mais importante. O próximo nunca vai ser tão importante quanto esse. Nesse a gente precisava muito ganhar. Esse era o dérbi mais importante da história.

Um dérbi é sempre o jogo mais importante de todo o milênio. Até o próximo dérbi.

Leandro Ramos" 


Texto: Gabriel Pitor Oliveira
Fotos: Sanderson Barbarini | Arquivo

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